Opinião
AS CRISES QUE AMEAÇAM CANNES
Publicado emEmbora tenha superado uma série de crises financeiras nos últimos anos, desta vez parece que a indústria da comunicação publicitária decidiu agir com mas rigor em relação ao maior festival mundial do setor.
Após algumas edições com participação diminuída, dois dos principais grupos globais da atividade resolveram se manifestar abertamente sobre as dificuldades das suas empresas em estarem presente no evento.
Explícito, o novo presidente do Publicis Groupe, Arthur Sadoun, afirmou que o conglomerado não estará em Cannes em 2018. E em nenhuma outra premiação internacional.
Fazendo contas, os US$ 2,2 milhões investidos em inscrições de trabalhos se multiplicam por 10 considerados os gastos em viagens e estadias de seus profissionais de vários países. Isso representa 25% do investimento anual do grupo francês em festivais.
Por isso, não convenceu ao justificar que a economia servirá apenas para concentrar a energia e os recursos no lançamento de uma plataforma de inteligência artificial chamada Marcel.
Um pouco mais comedido, mas igualmente enfático, “sir” Martin Sorrell, presidente do WPP, maior conglomerado de comunicação do mundo, preferiu dirigir suas críticas ao exagerado “apetite” financeiro do Cannes Lions.
´”É preciso repensar o festival, que se tornou um modo de ganhar dinheiro”, disse ele. Chegou a questionar a localização do evento, que nasceu de carona no festival de cinema mas que teve algumas edições em Veneza, onde se inspirou para criar seu troféu ícone.
“Junho em Cannes não é o lugar mais barato do mundo para se estar”, reclamou. Com certeza, pois no verão europeu a Riviera francesa costuma aumentar seus preços em até quatro vezes como fazem os hotéis em relação ao monótono inverno que caracteriza qualquer balneário.
Sorrell, entretanto, reconheceu o orgulho dos profissionais de agências e até dos anunciantes em ganhar Leões e brilhar no palco do Palais des Festivals. E garantiu que não seguirá a decisão de Sadoun.
Diante de posicionamentos relevantes, o grupo britânico Ascential Events, que promove o Cannes Lions, resolveu criar um comitê para avaliar o futuro do festival, atendendo às necessidades das indústrias.
Com as inscrições representando a maior parte de sua arrecadação anual superior a US$ 60 milhões, o grupo Ascential deve mesmo repensar seu futuro.
Até porque, sem o Publicis e com o WPP reduzindo ainda mais sua participação, que este ano se resumiu a apenas 500 dos mil delegados que costumava enviar a Cannes, o futuro estará comprometido.
Aumentar o número de categorias, atualmente são 23, garantiu o aumento de receita do evento mas bateu no limite dos grandes grupos.
A origem do festival, que nasceu para premiar os melhores filmes publicitários, perdeu seu valor após 64 edições. Em salas apertadas e longe dos grandes auditórios, a categoria atualmente destaca trabalhos muito diferentes dos comerciais de duração limitada, que testavam a capacidade de criativos e diretores em contar histórias e realizar superproduções em apenas algumas dezenas de segundos.
O Grand Prix da área deste ano é um trabalho primoroso do Channel 4 da Inglaterra, mas criado por seu próprio departamento publicitário e veiculado em sua grade de programação. Não tem agência nem compra de mídia, é um filme de oportunidade e autodivulgação.
Para o Brasil, então, a categoria há algum tempo é dirigida a trabalhos realizados para o ambiente digital, como o único Leão deste ano, um Bronze, para o filme “Tudo em Preto e Branco”, da F/Nazca para Leica Gallery.
Em 2015, a mesma agência com o mesmo cliente, conquistou o inédito Grand Prix de Filme para o Brasil com o comercial “100”, comemorando o centenário da marca alemão de câmeras fotográficas no país. Mais um trabalho primoroso, desta vez com agência, mas com veiculação em novas plataformas.
A velha TV perdeu a vez em Cannes. O festival vem acompanhando as mudanças da comunicação, mas está perdendo a vez com grupos que cada vez mais concentram a administração das agências.
Não há outra saída senão repensar seu futuro. São questões importantes e muito maiores do que a preocupação com “furos” jornalísticos.